domingo, 30 de dezembro de 2018

A Dama Dourada


A injustiça é dolorosa. Saber que o incorreto venceu, que o mentiroso obteve êxito, que o demagogo convenceu, que o perverso ganhou espaço não é agradável. É até desestimulante. E na vida, infelizmente, esses maldizeres rasuram nosso texto.

Quando sabemos que uma injustiça foi cometida contra alguém, deveríamos ter a compaixão e a razão necessárias para nos sentirmos, também, injustiçados.
A injustiça vai além do individual. Ela é do todo. Da vida em sociedade. É como uma parte do corpo que dói - todo o corpo sofre. A justiça também. 

Como é bom saber que o resultado de um julgamento devolveu o que alguém, injustamente, tomou de uma pessoa. Quando a mentira é, enfim, desmascarada, e a face da verdade está ainda intacta. É assim na vida. É assim na arte.

Assisti a um filme estupendo do Simon Curtis, "A Dama Dourada", e fiquei com a feliz sensação que a justiça é capaz de provocar. A história é incrível. Uma mulher austríaca que teve sua vida arrasada pelo governo nazista resolve ingressar com uma ação contra o governo reivindicando seus direitos sobre alguns quadros de Gustav Klimt. Um deles retrata a sua tia, Adele. A linda Adele. Obra que ficou conhecida como "A Dama Dourada".

Quando Maria Altmann (Helen Mirren) inicia sua saga contra o governo austríaco, ela conta com a ajuda de um advogado, Randol Schönberg (Ryan Reynolds), que é neto do renomado compositor austríaco Arnold Schönberg. A tarefa parece inglória. As portas fecham-se já que o quadro é considerado uma espécie de Monalisa da Áustria. Nas lembranças de Maria Altmann, o horror da invasão nazista e a tristeza de ver os seus compatriotas recebendo, festivamente, o exército de Hitler. O que justificava tamanha euforia se sabiam que cidadãos como eles estavam sendo arruinados? A lembrança da partida quando teve de abandonar os pais. Da chegada aos Estados Unidos. Do que ficou para trás e do que era preciso fazer ficar no presente. 

Quantos morreram nos campos de concentração? Quantas famílias foram dizimadas, histórias roubadas, mortes antecipadas por causa do horror da construção de uma raça pura. Pura é a raça que tem compaixão, que tem senso de justiça, que compreende a dor do outro e faz de tudo para amenizá-la. Pura é a raça que não mente, que não compartilha da injustiça por nenhuma razão. A razão correta é ser justo.

A batalha, por algumas vezes parece, perdida no filme. Mas são persistentes os seus protagonistas. Têm uma causa. Têm uma razão de viver. O que ficou perdido no passado não poderá ser reencontrado, mas há meios de devolver a paz que a intranquilidade dos injustos roubou. É isto, afinal, a justiça, a busca da harmonia, da razão correta, da pacificação social. É o impedimento da ganância, dos abusos, dos exageros que fazem com que não haja medida para se ter o que se quer.

O que Hitler queria? Ser um deus dos viventes? Decidir quem tem o direito de viver ou de morrer? Limpar o mundo do que ele julgava sujo? Sujo é quem não se percebe membro de uma mesma humanidade. Quem descuida os seus entes queridos. E de si próprio. Ninguém abraça a si mesmo. É preciso conviver. E, convivendo, aprender a ser justo.
O desfecho é bom. Altmann consegue o que sonhou. A justiça venceu. Aplausos à justiça. Mas é preciso ter cuidado. Nem tudo o que parece justo o é. Há muitas coisas encobertas que impedem que vejamos a face da justiça. Como saber? Como encontrar? Como revelar a justiça?

Perguntas, é bom que existam. Respostas, é melhor alguma prudência para alcançá-las. O bom é prosseguir. Celebrando a escolha limpa de quem tem uma razão para viver. A justa razão.

O filme é otimo. Mas a vida é ainda melhor. Desde que saibamos o que viemos aqui fazer. E não consintamos que nos desviem do alvo certo. Dizia Aristóteles que o arqueiro erra de muitas maneiras e só acerta de uma. Dá trabalho. Mas dá um enorme prazer saber que acertamos. Que a decisão foi justa. Que a verdade libertou. Que o convencimento nasceu de uma profunda reflexão. E que o perverso não prevaleceu sobre o generoso.

E sempre que a Justiça e o Direito estiverem em balanças opostas que prevaleça a Justiça até porque sem ela, o sentido do Direito fica vazio.