segunda-feira, 17 de setembro de 2018

O Estado da Justiça, em Portugal.



Todos nós partimos do princípio que a Justiça é, nas sociedades, uma instituição estruturante da coesão social, que é a pedra fundamental para os seus cidadãos se sintam em paridade perante os olhos da lei.

O Estado, ao chamar ao seu poder a realização da justiça tem de ser capaz, até porque faz parte do seu leque de deveres e de funções, de fazer funcionar a máquina judicial e de a colocar ao serviço da cidadania.

No entanto e para mal de todos os nossos pecados a justiça, em Portugal, funciona mal e é de difícil acesso. 
Sem juízes motivados até porque ninguém consegue estar motivado com processos em resmas e com a obrigação de "despachar" para as estatísticas perante a UE ficarem bonitinhas, sem juízes que sejam independentes a todos os níveis, como deveria ser, a justiça corre mais riscos que os normais. Nos nossos dias podemos quase dizer que a Justiça está pendurada por uma corda e (não) sabemos quando vai rebentar, mas sabemos que se não lhe deitarmos a mão, vai rebentar. 

A Reforma do Mapa Judiciário, essa cuja, só tem afastando os cidadãos dos tribunais, obrigando-os a fazer, em certas localidades do país deslocações de quilómetros para ir a um tribunal, as zonas mais afetadas, para não variar, continuam a ser as zonas do interior português como se só existisse Portugal na costa litoral.

Se falarmos dos tribunais administrativos e fiscais, então é o assunto é caótico. Anos e anos para se fazer um julgamento. Nas últimas reformas legislativas bem se têm inserido o princípio da celeridade, da cooperação, mas na prática, na prática continuamos a esperar anos por uma sentença, salvo raras exceções que se encontram aqui ou acolá, e tudo depende da "importância" social e mediática dos que se vão sentar no banco dos réus.

Numa Sociedade, numa Europa e num Mundo em que os cidadãos vivem com medo de perderem o emprego, de não pagarem as prestações em dívida dos seus créditos, de os filhos não terem futuro, de que lhes falte a reforma para a qual penosamente são severamente descontados todos os meses, de haver mais cortes nos vencimentos salariais, de ficarem sem saúde e não poderem trabalhar e terem de contar com o sistema da segurança social, com medo do futuro, até porque em relação ao futuro mandam-nos emigrar, é péssimo que percam, cada vez mais, a confiança na instituição que nunca deviam perder, a Justiça.

E bem pode o artigo 20.º da CRP proclamar que os cidadãos têm acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, mas isso no bom rigor prático deixou de ser verdade, aliás como a maioria das disposições da lei fundamental, que estão bonitas para encaixilhar o que é aberrante. 

Outro aspeto a se ter em conta é a privatização da execução. Foram apontadas como a justificação, essencialmente, duas razões: a morosidade e a corrupção.

Porém, se as execuções eram morosas, agora, desde a privatização, quase não mexem... a pendência é assustadora, quase 700 mil processos pendentes no ano de 2017, sim 700 mil processos pendentes, 700 mil pessoas singulares e/ou coletivas à espera de recuperarem créditos, 700 mil que já têm uma sentença, que já transitou em julgado mas que não se conseguiu executar.

E, quanto aos fenómenos de corrupção, eles enchem as páginas dos jornais todos os dias, infelizmente tornou-se tão rotineiro que a maioria das pessoas já nem leva a sério algo de tamanha importância, tornou-se a piada dos jornais e rádios nacionais. 

Tornou-se praticamente inviável para a maioria dos cidadãos ir a tribunal executar sentenças. Quem tiver sentenças onde lhe são reconhecidos créditos para cobrar na ordem de alguns milhares de euros, tem de pensar muitas vezes. Para assegurar o seu crédito, pagará a taxa de justiça, a honorários devidos ao agente de execução que nem sabe quem é o credor, nem se tem dificuldades, nem se chora ou se ri, e tem de pagar ao advogado que provavelmente já conhece da ação declarativa e que, por sua vez, conhece a (in)capacidade económica do exequente…embora, por regra, após a pronunciação da sentença, mesmo que dela caiba recurso para as instâncias jurisdicionais superiores e que esta tenha um efeito meramente devolutivo, é necessário que primeiro haja uma sentença, e isso, isso é outra coisa.

A tudo isto acresce a dificuldade maior, que é em saber se o executado possui bens, pois, se o agente de execução não os descobrir, tal situação não isenta de ter de pagar ao agente de execução os honorários fixados em tabela.

Obstaculizando o acesso aos tribunais, deslocando a sua localização a dezenas de quilómetros dos cidadãos, aumentando as custas judiciais, privatizando a execução, é provável que, a prazo, a pendência nos tribunais diminua, mas essa diminuição será à custa da cidadania, será pelo sacrifício daquilo a que todos os cidadãos deveriam poder recorrer, porque é um direito fundamental que lhes assiste ou deveria assistir e que, por falta de tempo, dinheiro, confiança e fé nos sistema judicial preferem deixar andar. Mas vamos ver...espero que seja só um mau agouro dos tempos vindouros.